sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Dizer o quê?

- O senhor é casado?
- Sou sim, e tenho cinco filhos. Três da primeira mulher e dois com a atual.

Puxei a conversa com o motorista enquanto estávamos parados no engarrafamento. Quando a guerra chegou a província onde vivia, ele e a mulher estavam trabalhando. Não tiveram tempo de se encontrar e planejar a fuga. Cada um correu para um lado e os dois se perderam.
Muito tempo depois, quando a paz chegou, chegaram também os fantasmas daquele período. A mulher tinha sido violentada pelos guerrilheiros, feita escrava sexual.
Com as mãos no volante e sem se voltar para mim ele desabafou:

- Não foi culpa dela, eu sei…mas eu não quis mais ficar com ela.

Sim, ao se reencontrarem, depois de anos de guerra, não fizeram as pazes, não comemoraram. Ele abandonou a mulher depois de tudo pelo que ela tinha passado. A fuga sozinha, o corpo tomado pelos soldados em troca da vida, as humilhações, privações…
Fiquei em silêncio, olhando pela janela do carro…aquele senhor, sentado ao meu lado, me parecia menos humano agora.
O resto da viagem fizemos sem trocar palavras.

Cá estou...

Já se vão quase dois meses que aterrisei em outras terras. Aqui tem muito da gente daí e ao mesmo tempo uma distância infinita. Durante esse período que cá estou preferi não escrever…por medo.
Sim, medo de um olhar estereotipado, de impressões simplistas demais, ainda que agora pouco tenham de profundas. Esse novo universo se revela dia a dia, por vezes motivador, por vezes assustador. São esses sentimentos que quero dividir com vocês.
Lembro que quando contei que viria para Angola as pessoas, em geral, faziam uma cara de espanto seguida da exclamação: África!!!!!
Será que ao contar que iria para a França, diriam: Europa! Não lembro de ninguém dizer América do Norte ao se referir aos Estados Unidos.
Só os países do continente africano são vistos como um todo, sem identidade…
Essa é uma das dívidas que temos em relação aos povos daqui. E acreditem, muitas são impagáveis!!!