sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Mais um dia...

- Posso entrar?
A voz tímida, quase sem graça, constrangido mesmo. Ao sentar a minha frente se colocou cabisbaixo...
- Se algo acontecer comigo foi o meu filho.
Não entendi da primeira vez. Já tinha trocado algumas palavras com aquele homem, nada sobre família.
Minha expressão deve ter mostrado que a frase não surtiu o efeito esperado e ele logo completou.
- Meu filho está me ameaçando...disse que vai me matar.
Tomei um susto. Primeiro, não queria aquela responsabilidade. Imaginei chegar no dia seguinte para trabalhar e receber a notícia que aquele homem havia sido assassinado.
Segundo, o que eu podia fazer? Levá-lo a polícia?
Ele tinha medo. O filho poderia descobrir e as coisas ficariam ainda pior.
Ouvi o desabafo. Contou que o filho está envolvido com o tráfico de drogas e que outro dia chegou em casa todo sujo de sangue...
- Perguntei o que tinha acontecido e ele foi curto e grosso: matei um sujeito, o próximo vai ser você!!
Insisti que deveríamos ir a policia, mas não o convenci, ainda.
Hoje ele me deu bom dia...

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Dor e covardia

Dessa vez era diferente, isso ela sabia.
Tinha visto tantos carimbos que acabou memorizando o formato das
letras e a ordem delas...ler não sabia, mas tinha certeza que era
diferente de todos os outros vistos até ali.
Esperou horas para ser atendida e agora tentava entender o que o
advogado dizia.
Entre uma frase e outra, para ela meio sem sentido, percebeu que os
quase três anos de espera tinham chegado ao fim.
Para chorar não tinha forças. Por inúmeras vezes caiu em prantos,
sozinha na maior parte dos momentos. Outras tantas, sem se importar
com quem do lado estivesse, bastava que algo lembrasse o filho.
O tempo não havia cicatrizado a ferida da perda, e ela tinha certeza,
a dor jamais passaria, nunca.
Quando o filho foi assassinado ainda não havia completado 15 anos. Mas
desde os 12 estava no movimento, na pista, como ele gostava de dizer.
E subiu rápido. De fogueteiro passou a soldado...aí a guerra se
encarregou do destino. A cada amigo que tombava no confronto com
outro traficantes ou com a polícia, ele subia na hierarquia, e assim,
de morto em morto, assumiu o comando da boca.
Naquele dia contava para os mais novos como tinha chegado até ali.
Moço já sabia que naquele negócio não dá para dar bobeira.
E o inimigo também sabia.
- Perdeu...é nossa - gritava um dos traficantes do morro vizinho.
A invasão foi rápida, alguém deu a fita toda, para ele estava na cara.
Não teve tempo para descobrir. Foi encontrado morto com sete tiros pelo
corpo.
Quem matou tudo mundo sabe, mas ninguém sabe.
O baiano, o pezão, o mosca...no crime apelido apaga o nome do sujeito.
A história dos meninos é curta ainda que muitos de nós acreditemos que
garotos assim já nasceram bandidos.
As investigações nunca deram em nada. Ainda que o baiano, o pezão e
o mosca fossem suspeitos, quantos deles há por aí?
E pior, a investigação já se arrastava por tanto tempo, que mesmo
que a polícia chegasse aos nomes corretos, era bem possível que
estivessem mortos.
A sobrevida de traficantes gira entre 3 e 4 anos.
Daí porque boa parte dos processos abertos nas varas de justiça espalhadas pelo país, abertos vão permanecer. Não há solução...nunca.
Seja pelos motivos já citados, seja pela ineficiência e pela morosidade dos órgãos públicos, o fato é que o Estado é covarde!!
Sim, não tem coragem de assumir para milhares de famílias
que esperam notícias que os casos são insolúveis e, portanto deveriam
ser arquivados.
Enquanto o Estado não resolver enfrentar os próprios cadáveres,
famílias vão continuar esperando, esperando, esperando...
Quando aquela mãe viu o carimbo e recebeu a notícia que o caso da morte do filho não seria resolvido um ciclo se fechou.
A dor não diminuiu, a raiva aumentou.
Melhor a certeza de que as respostas não virão, ou, melhor a dúvida de que um dia as perguntas sejam respondidas, ainda que as autoridades, essas sim, tenham a certeza que são incapazes de dar as respostas desejadas?

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Tolerância ou omissão??

As marcas vão continuar pela vida afora. Isso se ele sobreviver as facadas na cabeça, costas e barriga.
O músico que tentou proteger a própria escola da ação de pichadores, na madrugada de terça-feira, é mais uma vítima da intolerância destes e da tolerância nossa.
Navegue por alguns poucos minutos na internet e você vai encontrar uma centena de páginas com apologia a pichação. Há até análises sobre as “expressões gráficas urbanas”.
Quer coisa mais politicamente correta?
Vamos lá...três rapazes foram presos nesta quarta-feira, no Rio, por apologia ao nazismo. O suspeito de ser o líder do grupo tem uma suástica tatuada na coxa. Ahh, garoto!
Alguém dúvida que se perguntado, o pai diria que o filho é um amor de pessoa, incapaz de fazer mal?
Ainda que como cordeiro se comportasse dentro de casa, afinal os covardes são mestres em escamotear os próprios sentimentos, a pele era de onça pintada com o símbolo da intolerância.
E sem me alongar mais, termino com a entrevista de um psicólogo sobre o adolescente aprendido pela décima sexta vez depois de roubar um carro.
Dizia ele que é preciso valorizarmos o talento do menino e não o rotularmos de bandido, ou seja, com a aptidão que o garoto tem para abrir um carro com uma chave mestra e ser capaz de fazer uma ligação direta, dada as condições, ele poderia ser um grande mecânico...
Talvez, mas tolerância tem limite...doutor!!!

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Temos jeito??

A discussão entre os dois homens durava uns 10 minutos. Uma bobagem, dessas que qualquer um de nós já se envolveu, que nem vale comentar.
Sem motivo a mais um deles puxa uma arma. De longe parecia um 38...o som dos dois tiros encobre a gritaria.
O homem cai, morto.
Ninguém ficou para conferir a confusão, só de longe, numa distância minimamente segura.
Casos assim acontecem todos os dias nas grandes cidades e não seria exagero dizer que, na maioria, o assassino não é preso.
Mas vamos supor que no nosso caso a polícia tenha conseguido prender alguém, claro, fora do flagrante porque aí também seria muita ficção. Enfim, suspeito preso, inquérito aberto, denúncia oferecida pelo Ministério Público, réu no tribunal.
- O senhor matou? – pergunta o juiz.
Para além dos subterfúgios que os advogados usariam na elaboração da resposta, o fato é que o que o réu tem para dizer não importa.
Ele pode mentir. Na verdade, todos nós podemos porque a lei garante que não precisamos gerar prova contra nós mesmos.
Coisa de primeiro mundo, não é? E depois nós jornalistas é que somos acusados de valorizar a versão em detrimento de fatos...
Mas voltemos ao caso. Uma das pessoas que estava na rua é arrolada como testemunha, quer ela queira, quer não.
Se no dia da audiência a pessoa não aparecer, o juiz pode mandar buscá-la e ainda aplicar uma multa.
Calma, não é tudo. Se ela prestar falso testemunho, ou seja, mentir, pode ser condenada a até três anos de prisão.
Enquanto isso o réu assiste calado, afinal ele é a única pessoa que não precisa dizer nada, nem mesmo a verdade.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Sei lá...

- Ela não tá feliz!!
A atendente não entendeu nada...
Eu me referia a uma planta que está na varanda de casa. Não sei explicar o que ela tem, sei apenas que ela não está feliz. As folhas perderam a vivacidade, o brilho, sabe?!
Parece coisa de maluco, mas alguma coisa a incomoda.
Conheço poucas plantas pelo nome e essa não era uma delas. Levei então uma das muitas folhas caídas no chão até a casa de jardinagem.
- Ah, é a Peperomia. Ela está no sol? – perguntou, na tentativa de fazer um diagnóstico.
- Não, respondi.
- Você rega de quanto em quanto tempo? Se colocar muita água, ela morre afogada...se não regar direito, morre de sede.
Ajudou pouco a observação dela.
Talvez ela precise de espaço, pensei. Sim, quem é que não precisa?
Troquei o xaxim por um vaso de fibra de coco, maior, mais aconchegante.
Quem sabe amanhã a Peperômia diga que queria apenas crescer...

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Um bando de loucos

Quando dito de forma poética, fruto da paixão cega, desmedida, incomensurável, ainda que o fanatismos, de qualquer espécie, não seja positivo, vá lá.
Mas o que dizer quando esse mesmo bando de loucos difere ataques àqueles que personificam a sua paixão?
As cenas dos torcedores cercando o ônibus do Corinthians na chegada ao centro de treinamento vai além do que a paixão pode explicar, mesmo que o senso comum profetize que paixão e razão são campos distintos.
Não, a dor de uma perda não justifica a brutalidade. Perde-se duas vezes...
Como diria Nelson Rodrigues: “Qualquer um de nós já amou errado, já odiou errado”.
Paciência. Tire o time de campo, toque a bola de lado...amanhã tem mais futebol!

Numa tarde de sábado

Fechei os olhos...o tato era o sentido que deveria aflorar. Deixei o pensamento vagar para longe dos barulhos, ainda que suaves. Queria o silêncio e a sensação do toque, nada mais.
Os dedos faziam pequenos movimentos num brincar de ritmos, hora rápidos, hora lentos, hora pressionando, hora acariciando com suavidade, do alto a base.
Sentia apenas, tão passivamente que beirava o egoísmo.
Abri os olhos e espiei pelo espelho. Lá estava ela, olhos voltados para um único ponto, e por conta disso impossível cruzarmos os olhares. A boca estava entreaberta e percebi, ou imaginei, um leve sorriso, daqueles de satisfação quando temos a certeza das nossas habilidades e dos prazeres que elas proporcionam.
Voltei a apenas sentir e ali teria ficado por horas...com a palma das mãos ela enxugava os respingos, com todo o cuidado, diga-se de passagem.
- Prontinho. O barbeiro já vai te atender. Se quiser lavar o cabelo novamente depois é só falar!!

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Prato feito

Liguei a televisão e lá estava o repórter mostrando o aumento de alguns produtos no supermercado...de um lado, um economista quantificava os aumentos, de outro, uma nutricionista dava sugestões para substituirmos os alimentos por outros mais baratos. Claro, sem perder o valor nutricional...
O prazer de saborear este ou aquele prato, pouco importa. Afinal comemos apenas para suprir o organismo dos nutrientes necessários, certo?
Você, assim como eu, já deve ter visto centenas de vezes reportagens com essa abordagem. Carne por frango, alface por couve, laranja por limão, enfim.
Sempre me pergunto: será que precisamos ensinar a dona de casa a fazer compras?; Será que tem algum sentido dizer para ela trocar isso por aquilo?
Coisa mais sem graça, sem sal, sem tempero...com cara de comida requentada.
Ah! E quando termina a reportagem o apresentador ainda diz: “Comer pouco também economiza...”
Não comer nada economiza mais ainda, amigo!!!

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Um telefonema

- Estou perdida...não sei o que fazer.
Palavras entrecortadas por um choro abafado. Desespero escancaro, escondido em pequenos momentos de silêncio.
Dia a dia de idas e vindas de hospitais. A febre não baixa. A última crise provocou uma parada respiratória.
O motivo os médicos não sabem, não descobriram ainda...e ainda, em casos assim, é muito tempo, tempo que não se tem.
A essa hora ela está em uma ambulância transferindo a filha de uma cidade para outra.
A agonia de uma mãe, colega de trabalho, ecoa ao telefone...espero notícias...