quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Engasgado...

Cheguei pouco depois das seis horas da tarde, uma hora antes como pedem as companhias aéreas. 
Bobagem...podia ter feito as coisas com mais calma, não precisava ter adiado aquela última reunião e...ah, dava tempo de ter comido alguma coisa...eita fome!!
Enfim, logo no check in a mocinha  informou que o vôo estava atrasado. Aliás, nessa relação de compra e venda de um serviço, somos nós consumidores que cumprimos o acertado. Alguém ainda tem dúvida?
Não me recordo de pagar por uma passagem aérea cujo horário fosse mais ou menos 8h, ou quem sabe, entre 7h e 10h.
Não, são horários definidos e chegue atrasado vc pra ver...
Despachei a mala e me dirigi para a lanchonete. Além de algo para forrar o estômago, agora precisava de uma cerveja. 
O vôo foi confirmado para duas horas e meia depois do horário anunciado pela empresa quando comprei o bilhete.
Ao meu lado escuto um casal conversando.
- Ainda bem que confirmou!!
Pedi mais uma cerveja. Antes de qualquer coisa somos nós que não nos respeitamos e a tolerância nos deixa apáticos. Nos acostumamos com serviços mal prestados, mesmo pagando valores exorbitantes.
Dei a última mordida no sanduiche, arrematei com um gole de cerveja e decidi esperar na sala de embarque.
Péssima ideia. Havia mais gente  de pé que sentada, malas pelos corredores, sim, é impressionante o que as pessoas entendem como bagagem de mão.
Quarenta minutos depois, ainda de pé, ouço a chamada.
- Senhores passageiros, embarque pelo portão...
Ah, e a passagem que comprei para desembarcar em Congonhas, agora me deixaria em Guarulhos...
É o jeito tam (em letras minúsculas mesmo) de voar. Cuidado para não engasgar com a bala...

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

De que somos feitos?

De saberes que nem sempre sabemos concatenar. São díspares, difusos, caóticos...não se amalgamam em discurso lógico e coerente. Perdem-se porque antes neles nos perdemos.
Quer saber? Não importa o que se sabe...quando não nos paralisa por absoluto egocentrismo, serve tão somente como uma bússola a nos guiar por saberes ainda não descobertos.
Ah, processo angustiante, sem fim...é do inconformismo que ele se nutre.
E ainda que saibamos que o saber não nos garante chegar a algum lugar, o não saber, sabemos, leva a lugar algum.

Na linha do tempo

Quando o trem apita, desce a escada do sobrado, de janelas azuis e paredes brancas, sem muita ligeireza, mas em tempo suficiente para receber quem por aquelas paragens decide ficar...é essa uma das maiores alegrias de um senhor de cem anos, completados hoje.
Pelo que ouvi das histórias contadas por um dos seus netos, ditou o ritmo da vida como um maquinista que de tanto seguir viagem pela mesma estrada conhece as nuances de aclives e declives, e sabe que mais hora ou menos hora, a planície vai chegar. Por isso, aprecia cada momento do caminho.
Eu já tinha estado com ele uma vez. Me recebeu sem cerimônia e foi logo oferecendo um café. Ao entrar, o cheiro da casa me conduziu a infância, quando viajava com minha avó para Lins, no interior de São Paulo.
Sentado ao redor da mesa da cozinha me deu uma saudade danada...
Ah! Se por acaso você passar por esse cantinho do mundo, alí na Vila de Santa Isabel, procure pelo senhor Gustavo José Wernersbach. Tome um café, leve um dedo de prosa e quem sabe você descubra que o tempo é só uma estrada...

domingo, 3 de outubro de 2010

Quem é esse tal pragmatismo?

Virou moda nos últimos anos, ganhou corpo, está ao seu lado agora, a espreita...
Não tenho nada contra as escolhas racionais, mas que mal há em ser passional às vezes?
Que coisa chata! Discursos insossos, falta de embates.
Lembro quando nossas discussões vinham carregadas de simbolismo: “A esperança vai vencer o medo”. Não importava o lado, importava sim que havia sentimento nas posturas que defendíamos. Éramos apaixonados! Discutíamos com desconhecidos ou com os amigos.
Havia graça, humor, espaço para o politicamente incorreto. E não estou falando dos “Tiriricas” da vida, afinal, fazer piada assim é que é ser pragmático.
Faço coro com Arnaldo Antunes: Socorro!!!
“Eu não estou sentindo nada!
Nem medo, nem calor, nem fogo
Não vai dar mais pra chorar, nem pra rir...”

Onde quer que a gente esteja

Uma brisa úmida entra pela porta da varanda e os sinais de chuva invadem a sala. Os ruídos ouvidos ao longe dão conta de que a noite segue movimentada lá fora, pelo menos o que resta dela.
Normalmente, essa hora da madrugada, estou em um sono profundo, mas hoje inverti o dia pela noite. Dormi a tarde um sono satisfeito. Horas antes almocei com amigos. Papo animado, regado a cerveja, feijoada e...lembranças.
Paulista que sou, longe de casa, viro alvo frequente das perguntas: Sente falta de São Paulo?
Não, sinto falta dos amigos. E como sinto falta! Mesmo daqueles que pouco encontrava por causa da correria do dia-a-dia. Sempre atrasado, sempre cheio de coisas a resolver, cheio de trabalho, cheio...restava meu canto.
A casa da gente é onde quer que a gente esteja, mas são os amigos que nos fazem criar raízes.
Amanhã vai chover!

sábado, 21 de agosto de 2010

Alô, alô

Cheguei à poltrona e ela estava ocupada. Ocupada também estava a moça. Por volta dos trinta, morena, magra, celular no ouvido e falando alto.
Eu ia dizer que aquele era o meu lugar. Havia chegado cedo ao aeroporto para fazer o check in, justamente para conseguir um lugar na saída de emergência.
Classe econômica sabe como é: aperrrrtaaadooo!!!
Alí, pelo menos, consigo esticar as pernas. Meu lugar era ao lado da janela, mas deixa pra lá...
- Tudo bem, pode ficar.
Sentei na poltrona do meio. Abri o livro e resolvi relaxar....
Quase vinte minutos se passaram até que todos os passageiros estivessem acomodados e as portas do avião fechadas. Foram vinte minutos da moça falando ao telefone.
- Menina, fiz os exames...daquele probleminha que eu te contei...é, quando estava menstruada...
Daí pra frente relatou os conselhos médicos e os cuidados que deveria ter nos próximos dias.
Eu, e pelo menos metade dos passageiros ficamos com dó do namorado. Ah, ela também, pela papo...
Lembro, quando criança, que os mais velhos diziam que era falta de educação ficar ouvindo a conversa dos outros.
O que dizer dos tempos atuais???

sábado, 7 de agosto de 2010

Meu pai, meu amigo

Já se vão trinta, trinta e poucos anos...a arrumação começava logo cedo em casa. O tal do “lúdico” sempre fez parte da vida minha e de meu irmão.
Um enorme caixote, papai preenchia com serragem até o topo. Depois colocava peixinhos numerados em forma de cartolina com uma pequena argola na boca. Atrás desse mar de fantasia, havia sempre uma prateleira com inúmeros brinquedos.
Uma fita separava a criançada dos prêmios e aqueles que conseguiam pescar, ganhavam. Simples, mas muito divertido...
Em outras ocasiões, papai nos vendava. O objetivo era estourar uma grande bexiga, cheia de balas e doces, presa no teto. Com uma vareta na mão virávamos o centro das atenções. A cada tentativa um murmurinho se espalhava pela sala. Mais pra lá, mais pra cá...
Ao longo da vida, nossas brincadeiras de criança se repetiram inúmeras vezes. A cada peixe fisgado, meu pai esteve lá. A cada peixe que deixamos escapar, meu pai esteve lá. A cada tentativa de estourar as bexigas, meu pai esteve lá...
Nem sempre comemoramos, mas sempre estivemos juntos. Ainda que ele quisesse nos guiar, deixou que seguíssemos nossos caminhos. Não deve ter sido fácil, bem sei, mas aí está a sabedoria.
Se da casa dele partimos em busca de nossas histórias, para casa dele voltamos para contar nossas aventuras. É sempre bom avistarmos um porto seguro em alto mar!

sábado, 26 de junho de 2010

Penso no mar

Apago a luz, deito, recosto a cabeça no travesseiro, mas ela insiste em não descansar. Dezenas de pensamentos, a maioria improdutivos é verdade...permita-me ser generoso comigo nesse momento.
A cabeça tem vida, segue os próprios caminhos, nem sempre em paz com o corpo. Obriga-o a revirar de um lado para outro noite a dentro. É uma luta sim, daquelas vividas por Santiago, o personagem de Hemingway.
Penso no mar. Não nos seus mistérios, não na grandiosidade, não na violência. Vislumbro a marola a beira da praia, em movimentos constantes, ainda que disformes. A marola que forma desenhos para no segundo seguinte apagá-los, me leva para as profundezas.
Durmo!!
Ao acordar espio por entre as janelas...ele está lá. O mar me trouxe de volta e sigo em frente. O poeta já dizia:” minha jangada vai sair pro mar...meu bem querer...”

domingo, 25 de abril de 2010

Por que?

A poesia da infância, a petulância da juventude, as certezas ou falta delas da vida adulta. Fases de um tempo nosso ligadas pela pergunta...
Como nenhuma outra, ela nos estimula, nos excita, nos provoca. Corremos para ela, fugimos dela.Em algumas questões sequer admitimos a possibilidade de pensar nela. Sufocamo-la.
E com que freqüência há quem deixe a razão de lado por razões que a razão não explica de forma minimamente razoável.
Sim, pense quantas vezes você já ouviu algo do tipo: isso eu não discuto!
Por que?
Não há problema no questionamento. Ah sim, na falta dele.
Para não nos alongarmos, vamos tomar como exemplo a religião. Dois fatos recentes me chamaram a atenção.
Li uma notícia no Estadão sobre o objetivo de dois escritores britânicos acusarem o papa por crimes contra a humanidade, por supostamente o pontífice ter encoberto casos de pedofilia.
A primeira frase da reportagem é emblemática: Os escritores Richard Dawkins e Christopher Hitchens, dois importantes ateus britânicos, planejam...
Posto dessa forma é como dizer que a acusação se deve tão somente porque os escritores são ateus, desqualificando qualquer tipo de debate.
Será possível que por não acreditarem em Deus seus objetivos sejam menos nobres?
É o que parecem acreditar os leitores que postaram comentários no site. De certo são daqueles que se recusam a discutir, sempre.
Ou se crê ou não. Às favas com os argumentos, com as evidências, com as probabilidades.
Ainda nessa linha, outro dia, um repórter de um telejornal descreveu assim uma reunião religiosa: Uma festa de fé e milagre!
Milagre???
Eu pergunto: por que minha surpresa?

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Só um sinônimo...

Ela me roubou o tempo, a alegria, o entusiasmo. Furtou de mim a fé nas pessoas, na sinceridade. Levou meu entusiasmo, meus planos, minha força...a certeza do olho no olho.
Subtraiu meu sorriso...furtou minha vergonha na cara, meu equilíbrio. Pilhou minha razão. Afanou amigos.
Pirateou sonhos, plagiou o carácter. Surrupiou energia, extorquiu, espoliou, sonegou informação, escamoteou verdades.
O nome da ladra é...ilusão!!!

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Já não é nosso...

Um livro é tão somente nosso no instante único que o escrevemos. Ainda que ele guarde um pouco da nossa história, do nosso jeito de ver o mundo, de sentir a vida, ele só respira e transpira nas mãos do leitor.
É no diálogo que o livro pulsa. É do diálogo entre quatro amigos apaixonados por jornalismo que ele nasceu. Nossos papos poderiam sim ter ficado restritos a um canto qualquer da redação, a uma mesa qualquer de um bar qualquer, em um dia qualquer.
Transpor para o papel significa, para nós, convidar outros para a conversa. Acreditamos que quanto mais, melhor fica o papo.
Aos amigos que nos prestigiaram no dia do lançamento de “Reportagem na TV”, nosso muito obrigado. Aos amigos que por uma ou outra razão não puderam ir, mas torceram por nós, nosso muito obrigado. Aos amigos que nos mandaram mensagens desejando sucesso, nosso muito obrigado.
Todos vocês nos provaram que há espaço para o diálogo.
Ah!!Só não esqueçam de convidar mais gente para a nossa conversa...

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Nossos cadáveres...

Histórias que não vão ser contadas...soterradas, enterradas, esquecidas.
A câmera apontada para o morro que já não mais existe. Gente que ganha uma cara tão somente na dor, no choro sofrido de quem tudo perdeu, ainda que até aqui os tenhamos tratado como se nada fossem, como se nada ali houvesse.

Muitos colegas falam agora em tragédia anunciada e eu pergunto: anunciada por quem?
Pela defesa civil, só ouvida quando o caos já está instalado? Por pesquisadores, relegados ao anonimato, principalmente quando se trata de questões sociais?
Anunciada por quem amigo? Por nós jornalistas?

Se por um instante pararmos para refletir vamos encontrar também nossos cadáveres. Contamos a morte, de certo por que ela se apresenta como a situação limite. Não percebemos que o limite já tinha sido há muito ultrapasso em vida por essa gente que no morro sobrevivia.

O morro do Bumba, em Niterói, era um lixão. Foi crescendo dia a dia, absorvendo sempre e sempre mais pessoas. Ainda assim, não anunciamos para todo mundo que se erguiam casas em meio ao chorume liberado por toneladas e toneladas de lixo...não, não contamos essa história, pelo menos enquanto a história acontecia.

De fato nada fizemos, a não ser esperar o fim, a tal tragédia anunciada.

Comovidos estamos todos com a situação no Rio de Janeiro, mas nós, jornalistas, devemos estar, acima de tudo, envergonhados por não ter contado a vida dessas pessoas ainda em vida.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Mesa farta

Não lembro o nome. Perguntei, mas não lembro. Guardei na cabeça apenas o sorriso. Todos os dentes na boca, nem todos dele. Gengiva marcada, castigada também a pele do rosto. Aparência mais velha que a realidade, dura, curtida sob o sol.
Passou a maior parte da vida na água. Dela tirou o sustento, assim como o avô, o pai , os vinte irmãos...
- A mariscada está ótima, quer??
Em algum ponto da vida mudou o rumo. Ainda tira da água o sustento, agora mais colorido, saboroso, cheio de aromas.
Na parte de baixo da casa montou um pequeno restaurante. Cresceu e já abriu mais um andar. É simples, bem simples. Extremamente simpático e aconchegante, como tantos outros ali na margem de um dos maiores manguezais urbanos do mundo e incrustados na pobreza.
Servem aqueles que vêm do outro lado da cidade, cortando ruas da periferia ou de lancha.
Mesa farta, ainda que mal distribuída...

sexta-feira, 19 de março de 2010

O peixe morre pela boca!!

O dia não havia chegado quando entrei na estrada. Escuro ainda. Curioso como a vida nos traz simbolismos. Numa noite escura me sentia já há algum tempo, tateando, mas sem enxergar os passos.
Verdade que algumas pessoas tentaram me guiar, me ajudar a encontrar o caminho. Outras, por mais que eu pedisse, simplesmente viraram-me as costas, roubaram de mim a fé, única e exclusiva, no ser humano.
Chovia...a cada vez que o limpador passava sobre o pára-brisa do carro novas figuras se formavam para no instante seguinte se desmancharem. O pensamento ia e vinha, ia e vinha...sem ordem definida, sem sentido. Os olhos grudados na estrada, a cabeça perdida no tempo. Quanta coisa havia se passado no último ano, quantas palavras não ditas, quantas ditas sem sinceridade.
Certa vez escutei de alguém que mais importante que as palavras eram as atitudes. Nunca consegui entender bem isso, apenas agora. E só com palavras consigo definir quem separa uma coisa da outra, quem não faz o que diz, ou faz o que não diz: mau caráter!
Olhe ao seu redor, com certeza um deles está aí. Às vezes levamos algum tempo para perceber, mas ele vai dar as caras, ah vai!
Que tal algumas dicas. É o tipo de pessoa que está ao seu lado quando tudo vai bem, mas quando não, faz as coisas ficarem ainda piores...ah, quando questionado sobre atitudes diz sempre que mudou, que passou por uma fase...mente em pequenas coisas, simples, banais e tenta te convencer que naquele caso não valia dizer a verdade, pouca coisa por nada, sabe?!
Imagine que um amigo ou o seu pai tenha pedido para tomar conta de algo, um peixe, por exemplo, enquanto ele estiver fora. A pessoa assume o compromisso, mas esquece sempre de alimentar o bichinho de estimação. Resultado: ele morre.
A pessoa faz o que??? Diz que deu a louca no peixe e ele resolveu pular do aquário...Mas tem um detalhe: o mau caráter é tão convincente que você até imagina que o peixe deveria estar estressado, cansado de água, enfim...é faz sentido, por que não?
O limpador passa mais um vez...sigo viagem!

sábado, 6 de março de 2010

Quem somos?

Ela jogou uma balde de água sobre mim...
- Isso é pra você se limpar, sua negrinha suja.
O relato me foi contado por uma produtora angolana com quem tive o prazer de trabalhar. A humilhação sofrida por ela não foi causada por um branco qualquer, o que já seria absolutamente absurdo, hipócrita, canalha, porco...o escárnio veio de um outro negro, mulato como na verdade a vizinha se considerava.
Por incrível que pareça o racismo em Angola está mais presente do que em muitos países de maioria branca. De maneira simplista, isso tem relação com a colonização e o processo de independência. Em oposição ao domínio branco dos portugueses, o movimento nacionalista resgatou as raízes negras e valorizou as diferenças de pele.
Fugidos, os portugueses deixaram para trás muitos filhos bastardos, mulatos, que também passaram a perseguir e a serem perseguidos...uma guerra que se estende agora no período de paz.

Entrar pode

Sempre achei que supermercados dizem muito sobre um povo. Pode parecer loucura, mas quando estou fora do meu país gosto de visitá-los. Somos movidos a consumo, ou não?
Em Luanda fui a dois deles. Um é uma rede internacional, com a cara dos estrangeiros que lá vivem. Nos corredores, sempre muito iluminados, esbarramos mais em brancos que em negros. Os preços são altos e quase a totalidade dos produtos importados. O país, que vive um processo de reconstrução nacional depois de longos anos de guerra, pouco produz, e quando o faz, raramente consegue escoar a produção de verduras e legumes, por exemplo, para os centros urbanos. Angola já foi sim um grande produtor de alimentos, mas as lavouras e as estradas foram completamente arrasadas.
O outro supermercado é uma rede nacional. Até 2002, se não estou enganado, compravam ali os camaradas do partido, quando o país rezava pela cartilha do comunismo. O povo? Ah, esse não podia entrar...
Com adoção do sistema de livre mercado, as portas se abriram para todos. Entrar já podiam...comprar era uma outra questão. Faltava dinheiro e ainda falta para a maioria absoluta da população.
Para eles, entre o comunismo e o consumismo, resta comer com os olhos...

Beijo, me liga!

Cheguei ao aeroporto pouco mais de sete horas para fazer o check in. A fila era pequena, mas nem com isso precisei me preocupar. Um funcionário da empresa se encarregou de todo o trâmite. Entregou meu passaporte, escolheu o assento e despachou a bagagem...fiquei surpreso com a eficiência e a rapidez, algo fora do comum em Luanda.
Depois de quase dois meses você começa a se acostumar com a burocracia. Ela está incrustada em tudo, nada é fácil, nada é simples. O aparelho do estado, construído ao longo dos últimos 30 anos, faz da dificuldade o alicerce para se manter de pé. É a forma de ter o controle absoluto de tudo o que acontece, inclusive da informação.
Imagine que você pretenda fazer uma reportagem sobre os parques nacionais de Angola, um assunto aparentemente de pouca controvérsia, certo? Não lá...
O primeiro passo é descobrir a que Ministério o tema está ligado. Depois é preciso pedir autorização para ter informações como, por exemplo, quantos parques há, qual o tamanho deles, que tipo de fauna e flora encontramos e por aí afora.
O destinatário envia então uma resposta dizendo que recebeu o pedido e vai despachá-lo para a pessoa apta a fornecer os dados. Isso pode levar alguns dias, não raro semanas. Ah, não imagine que essa negociação é feita por e-mail, eles não confiam em plataformas eletrônicas, nem tão pouco em telefones. Só olho no olho...
Daí minha surpresa com o que se passou no aeroporto. Nem ao balcão da companhia eu fui, o funcionário não conferiu se era eu mesmo que iria embarcar com aquele passaporte. Sabe aquele bordão “cara crachá, cara crachá”? Nada, absolutamente nada...
A questão é que o sistema que cria dificuldades inúteis, também cria as “facilidades”, conhecidas por nós como propina, por eles como gasosa. Os funcionários das companhias aéreas trocam a eficiência por cartões de celulares pré-pagos. Simples assim...

terça-feira, 2 de março de 2010

Um lugar qualquer...

Ele está no meio de nós. Largado, jogado, depositado…com todas as nuances, mesmo que sutis, que tais palavras carregam.
Nos misturamos a ele a ponto de perder a noção de quem primeiro ocupou aquele espaço. Convivemos literalmente, ainda que reclamemos por vezes a presença do outro. É raro admitirmos que se ali está é porque ali o deixamos…
E olha que ele todos os dias se faz notar. O cheiro forte nos invade as narinas, nos revira o estômago, nos enche a cabeça de imagens, nos impregna o corpo.
Espaços já não há, pelo menos no sentido abstrato do que é meu e do que é de todos. Nossos caminhos se cruzam, e seguimos desviando de obstáculos que nós mesmo colocamos.
Onde vamos parar? Na próxima montanha de lixo em uma esquina qualquer de Luanda...

segunda-feira, 1 de março de 2010

Espera...

Cedo ainda…o sol não apareceu com a força de sempre, mas vai dar as caras ao longo do dia. Abafado como ontem, como amanhã.
No sábado Luanda segue o ritmo de tantos outros lugares no mundo, mais calma, menos caótica. Da varanda do prédio da empresa ouço o burburinho da rua. Estou no centro da cidade. Os edifícios ao redor são antigos e se beleza tiveram há muito se perdeu. Antenas parabólicas penduradas na fachada, aparelhos de ar condicionado, roupas a secar nos varais esticados para fora…nos telhados é possível avistar as caixas d´água, azuis, verdes.
De um canto a outro erguem-se novas construções. A minha frente, mais ou menos a uns quinhentos metros, há uma obra inacabada. Não sei há quanto tempo, mas há tempo suficiente para já se ter perdido a referência. Uma carcaça de 12 andares, sem acabamento, deixando a mostra os blocos vermelhos…salpicados de pontos coloridos.
Roupas… roupas sim, de uma gente que invadiu a obra. A realidade concreta de quem espera,espera,espera por dias melhores…

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Dizer o quê?

- O senhor é casado?
- Sou sim, e tenho cinco filhos. Três da primeira mulher e dois com a atual.

Puxei a conversa com o motorista enquanto estávamos parados no engarrafamento. Quando a guerra chegou a província onde vivia, ele e a mulher estavam trabalhando. Não tiveram tempo de se encontrar e planejar a fuga. Cada um correu para um lado e os dois se perderam.
Muito tempo depois, quando a paz chegou, chegaram também os fantasmas daquele período. A mulher tinha sido violentada pelos guerrilheiros, feita escrava sexual.
Com as mãos no volante e sem se voltar para mim ele desabafou:

- Não foi culpa dela, eu sei…mas eu não quis mais ficar com ela.

Sim, ao se reencontrarem, depois de anos de guerra, não fizeram as pazes, não comemoraram. Ele abandonou a mulher depois de tudo pelo que ela tinha passado. A fuga sozinha, o corpo tomado pelos soldados em troca da vida, as humilhações, privações…
Fiquei em silêncio, olhando pela janela do carro…aquele senhor, sentado ao meu lado, me parecia menos humano agora.
O resto da viagem fizemos sem trocar palavras.

Cá estou...

Já se vão quase dois meses que aterrisei em outras terras. Aqui tem muito da gente daí e ao mesmo tempo uma distância infinita. Durante esse período que cá estou preferi não escrever…por medo.
Sim, medo de um olhar estereotipado, de impressões simplistas demais, ainda que agora pouco tenham de profundas. Esse novo universo se revela dia a dia, por vezes motivador, por vezes assustador. São esses sentimentos que quero dividir com vocês.
Lembro que quando contei que viria para Angola as pessoas, em geral, faziam uma cara de espanto seguida da exclamação: África!!!!!
Será que ao contar que iria para a França, diriam: Europa! Não lembro de ninguém dizer América do Norte ao se referir aos Estados Unidos.
Só os países do continente africano são vistos como um todo, sem identidade…
Essa é uma das dívidas que temos em relação aos povos daqui. E acreditem, muitas são impagáveis!!!