sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Dizer o quê?

- O senhor é casado?
- Sou sim, e tenho cinco filhos. Três da primeira mulher e dois com a atual.

Puxei a conversa com o motorista enquanto estávamos parados no engarrafamento. Quando a guerra chegou a província onde vivia, ele e a mulher estavam trabalhando. Não tiveram tempo de se encontrar e planejar a fuga. Cada um correu para um lado e os dois se perderam.
Muito tempo depois, quando a paz chegou, chegaram também os fantasmas daquele período. A mulher tinha sido violentada pelos guerrilheiros, feita escrava sexual.
Com as mãos no volante e sem se voltar para mim ele desabafou:

- Não foi culpa dela, eu sei…mas eu não quis mais ficar com ela.

Sim, ao se reencontrarem, depois de anos de guerra, não fizeram as pazes, não comemoraram. Ele abandonou a mulher depois de tudo pelo que ela tinha passado. A fuga sozinha, o corpo tomado pelos soldados em troca da vida, as humilhações, privações…
Fiquei em silêncio, olhando pela janela do carro…aquele senhor, sentado ao meu lado, me parecia menos humano agora.
O resto da viagem fizemos sem trocar palavras.

3 comentários:

  1. PQP!!!
    Que difícil ler isso.
    Tão difícil não julgar, mais difícil ainda julgar.
    Obrigada por dividir!
    Força!
    Beijos,
    Grazi

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  2. Pesado. Muito forte...

    Experîência...

    Pra carregar pro resto da vida.

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  3. Relato forte! Impossível continuar o mesmo depois dessa experiência!
    Obrigada por compartilhar!
    bjus

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