segunda-feira, 31 de agosto de 2009

A pedra verde

- Quando tiver sinal, aperta aqui pra atender, né?

Seu Manuel tem 78 anos. Há dois anos ganhou um celular, nunca usou. Não por que seja contrário à inovação ou porque não precise. É que ele vive em um outro Brasil, quase sempre esquecido, inclusive por nós jornalistas...
Se pesquisarmos no Google, seu Manuel nem desconfia o que seja, vamos perceber que a grande imprensa fala de tecnologia como se fosse algo presente na vida de todos. Quando o assunto é telefonia móvel, adoramos as manchetes do tipo "Em cada 100 brasileiros, 84 possuem celular"...
Os dados mexem com nossa auto-estima, e enfim nos sentimos um país de primeiro mundo, não é mesmo?
Talvez por isso, esqueçamos de procurar o contraditório. Lembra do seu Manuel?
Ele está fora das estatísticas de consumo, longe, muito longe dos grandes centros...em Cachoeira Paulista, no Maranhão, não há sinal de celular e raramente também de jornalistas em busca de histórias que realmente valham ser contadas.
Na semana passada, uma equipe do Jornal do SBT foi até o município e descobriu que a pedra verde que seu Manuel fala é a tecla para receber ligações.

sábado, 29 de agosto de 2009

Toca Rauuuulllll!!!!!!!!!

-Alô? Como estão as coisas por aí?
- O dia está parado, fraco...não aconteceu nada.

Será que a profecia do bruxo se concretrizou? Será que chegou o dia em que a terra parou?

O empregado não saiu pro seu trabalho
Pois sabia que o patrão também não tava lá
Dona de casa não saiu pra comprar pão
Pois sabio que o padeiro também não tava lá
E o guarda não saiu para prender
Pois sabia que o ladrão, também não tava lá
E o ladrão não saiu para roubar
Pois sabia que não ia ter onde gastar...

Será? Ou será que somos nós jornalistas que estamos fazendo o recorte errado da realidade?
Tudo bem que no final de semana boa parte das empresas fecha, os funcionários estão descansando, os políticos...bom, sei lá!
De qualquer forma, não faz muito sentido acreditarmos que não há boas histórias para serem contadas nesses dias. Talvez nosso olhar é que esteja intoxicado!

Afinal, como dizia Raul...

Quem não tem colírio usa óculos escuro
Quem não tem filé come pão e o osso duro
Quem não tem visão bate a cara contra o muro


sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Prato Feito

Enter no teclado...na tela de projeção começa a história. Uma série de reportagens especiais sobre abrigos para adoção.
Na sala de aula, pouco mais de vinte alunos, os demais vão chegando aos poucos.
O drama das crianças abandonadas pelos pais vai se desenrolando e, apesar da carga emocional, é curioso como eles se dispersam. Aqui e ali surgem burburinhos. Alguns estão de olho na tela, na pequena tela do celular. Mandam mensagens, não há tempo a perder. Estão plugados ao mundo, são bombardeados por informação, mas tudo parece irrelevante...algo sem gosto, sem cheiro, sem vida.
Isso me assusta! E não adianta dizer para eles que nao há espaço no mercado para profissionais que não conseguem filtrar informação, que não buscam o olhar diferenciado...há, há sim! As redações estão apinhadas deles. Vivem reclamando das pautas, mas não proprõem nada.
Lembrei agora do Ministro Gilmar Mendes, que comparou jornalista a cozinheiro. Bobagem das grandes, mas por um segundo pensei que ele pudesse estar se referindo a esse tipo de jornalista. Esses cozinham o prato feito, mas nunca, nunca vão ter o prazer de saborear algo especial.
É a vida amigo...

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Quem sabe??

Tentativa de roubo, roubo consumado, desacato à autoridade...ao todo foram seis passagens pela Fundação Casa.
Há sempre um chance, diriam alguns...ele teve outras cinco e voltou, gritariam muitos.
Nossa tarefa não é defender bandeiras, mas suscitar questionamentos. Buscar o equilíbrio sempre e não fortalecer os estereótipos. Não fazer do infrator um santo e atribuir todos os crimes cometidos a fatores externos, e ao mesmo tempo não deixar o senso comum conduzir nossa abordagem.
Neste tipo de reportagem o discurso discriminatório tem apelo para a população, é a postura mais fácil, principalmente por conta da absoluta falência dos sistemas de ressociabilização e pelo crescente sentimento de insegurança.
L.G.T hoje saiu definitivamente da Fundação Casa...cumpriu a última medida sócio-educativa.
Está empregado e talvez, apenas talvez, consiga dar um novo rumo a própria vida.
O final da história ainda está por ser escrito...

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Hoje eu só quero que o dia termine bem

Saí da TV e fui encontrar um grupo de alunos para discutir o encaminhamento de um Trabalho de Conclusão de Curso. Cheguei depois das 11 da noite em uma padaria na Domingos de Moraes. Na mesa, uma porção de batata frita. Pedi um pedaço de pizza e um guaraná e fui comendo enquando eles contavam as novidades.
E tinham muitas. Viajaram para o Rio de Janeiro em busca de histórias de jornalistas que por conta da profissão sofreram algum tipo de impacto negativo, seja ele psicológico ou absolutamente prático, como mudar a própria rotina por medo.
Apesar de expostos constantementes a cenas violentas ou coberturas marcantes, nós jornalistas não contamos com nenhum tipo de apoio formal por parte das empresas. E não por elas se negarem, mas porque as abordagens em relação ao assunto, quando há, são ainda muito incipientes.
De qualquer forma, esse é um problema que precisamos discutir e os próprios entrevistados - jornalistas e psiquiatras - dizem que o tema é bastante relevante.
Não estamos preparados para enfrentar determinadas situações. Visualizar a cena de uma chacina, um desastre, uma tragédia ou simplesmente casos com uma carga emocional muito grande deixam marcas, sem dúvida. Isso sem falar em reportagens em que o jornalista acaba ameaçado de morte ou convive com um sentimento de impotência em relação ao fato denunciado. Enfim, estamos exposto e muitas vezes sozinhos...
Vim embora pensando nas cenas que haviam me marcado, nos dias que cheguei em casa abatido, nos cheiros que pareciam impregnados em meu corpo.
No rádio, a voz suave da Luciana Mello cantando Simples Desejo...hoje eu só quero que o dia termine bem...

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Nossos limites

Um, dois, três tiros...arma em punho. O alvo é muito real, completa o repórter. Mais um, dois, três tiros...a cena choca!
A informação textual não está errada, mas é de um exagero descabido, o que faz com que a informação esteja, no mínimo, mal colocada.
Ao segurar uma arma, apontar para o alvo e disparar o repórter "tira" a agressividade que o gesto tem em si.
Alguns dizem que esse é o tipo de cena que vemos todos os dias, seja nos programas de entretenimento, seja nos telejornais.
Ainda assim, a credibilidade do repórter ou do veículo não pode estar a serviço tão somente do senso comum. Pelo contrário, devemos questionar os estereótipos.
E aqui cabe uma outra consideração. A produção de uma notícia será tanto melhor ou com menos riscos de erro quanto mais olhares se voltarem para o fato.
No caso da reportagem citada o editor percebeu o exagero e não permitiu que a cena fosse veiculada.
As linguagens plástica e verbal são nossas ferramentas para contarmos as histórias da forma mais interessante para o público, mas há limites...
Perdê-los é como dar um tiro no próprio pé!

Quanta bobagem

Telefones, reuniões, troca de e-mails, mensagens...ufa! Nada contra a comunicação, mas já reparou quanto tempo perdemos discutindo assuntos que não fazem o menor sentido? E pior, nem sempre conseguimos resolvê-los.
Por exemplo, o que dizer para um jornalista que tem uma notícia nas mãos, mas prefere guardá-la para divulgar só no dia seguinte??? Por que divulgar a informação hoje se eu posso dar amanhã???
Parece loucura, mas aconteceu hoje a tarde. E dá-lhe telefonar para a emissora e tentar explicar o inexplicável...

Claro, amigo...não vivemos mesmo em busca da novidade, dos assuntos quentes, de interesse público...não vivemos na era da comunicação instantânea, a qualquer hora, em qualquer lugar...que bobagem!!!

Acho que vale um último e-mail: vai pra casa querido!!!!!!!!!!!!

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

A descoberta

Sábado, final de tarde. O telefone toca...

- Será que podemos nos encontrar agora?
- Aconteceu algo?
- Estamos saindo da favela e queríamos conversar sobre algumas idéias.

O grupo tinha ido até a Cidade Tiradentes, na periferia de São Paulo, para conversar com alguns moradores. Havíamos discutido durante a semana e definido mais ou menos o caminho do Trabalho de Conclusão de Curso. Lá foram eles...
Naquele momento não podia atendê-los, mas fiquei pensando porque tamanha empolgação. Não foi difícel chegar a uma resposta. Os olhos haviam captado uma realidade diferente. Sentiram cheiros, ouviram histórias. Por algumas horas se permitiram trazer a periferia para o centro do olhar. E mais que isso, vivenciaram...se despiram das certezas absolutas, das amarradas das pautas pré-definidas.
Curioso como os alunos repetem erros que tantas vezes nós jornalistas cometemos. As histórias estão na rua, nunca na redação ou na sala de aula.
Lembro de um amigo que sempre dizia que ser jornalista é como ter um passaporte que nos permite transitar por diversos "mundos".
Eu diria mais, é nosso dever!

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

O choro

Ele sentou-se na minha frente. Voz embargada me perguntou se eu lebrava de uma personagem retratada em uma série de materiais especiais sobre adoção que produzimos no ano passado.
Eu lembrava sim...um menino de pouco mais de 17 anos, abandonado pelo pai, que vivia em um abrigo e dividia a história com outras tantas histórias parecidas.
Na época, durante a entrevista, ele estava sentado em um balanço, a sinalizar que a vida é a busca constante pelo equilíbrio, mesmo para quem nasceu e viveu como no intervalo de tempo entre um ponto e outro do balanço.
Voltamos a procurá-lo essa semana. A idéia da nova série é mostrar o que aconteceu com aquelas crianças. Não o encontramos. O menino sumiu, voltou pras ruas. O fim repete o começo, quando o pai o abandonou...sozinho.
Ao me contar essa história o repórter chorou. Um choro doído, de impotência! Um choro de quem se envolveu com a reportagem, de quem não manteve a distância, de quem não se apegou a simplicidade do olhar de fora.
Por essas coisas é que vale fazer jornalismo. Por boas e muitas vezes tristes histórias a espera de alguém que saiba contá-las, com o coração...

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

O desafio de contar experiências

Essa semana entreguei os originais de um livro sobre reportagem para TV. Achei que teria um sentimento de missão cumprida. Que nada...depois da última leitura antes de mandar para a editora, o que senti foi a necessidade de continuar escrevendo. Jornalista tem sempre mais para dizer do que o espaço que lhe dão, assim como sempre acha que aquilo que tem para contar interessa para alguém.
De qualquer forma, é um exercício e tanto...reler a própria história, questionar os conceitos, pensar sobre formatos. Normalmente, fazemos tudo meio no automático. As coisas são porque são...ao transformar prática em teoria percebemos que nada é por que é!