segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Dor e covardia

Dessa vez era diferente, isso ela sabia.
Tinha visto tantos carimbos que acabou memorizando o formato das
letras e a ordem delas...ler não sabia, mas tinha certeza que era
diferente de todos os outros vistos até ali.
Esperou horas para ser atendida e agora tentava entender o que o
advogado dizia.
Entre uma frase e outra, para ela meio sem sentido, percebeu que os
quase três anos de espera tinham chegado ao fim.
Para chorar não tinha forças. Por inúmeras vezes caiu em prantos,
sozinha na maior parte dos momentos. Outras tantas, sem se importar
com quem do lado estivesse, bastava que algo lembrasse o filho.
O tempo não havia cicatrizado a ferida da perda, e ela tinha certeza,
a dor jamais passaria, nunca.
Quando o filho foi assassinado ainda não havia completado 15 anos. Mas
desde os 12 estava no movimento, na pista, como ele gostava de dizer.
E subiu rápido. De fogueteiro passou a soldado...aí a guerra se
encarregou do destino. A cada amigo que tombava no confronto com
outro traficantes ou com a polícia, ele subia na hierarquia, e assim,
de morto em morto, assumiu o comando da boca.
Naquele dia contava para os mais novos como tinha chegado até ali.
Moço já sabia que naquele negócio não dá para dar bobeira.
E o inimigo também sabia.
- Perdeu...é nossa - gritava um dos traficantes do morro vizinho.
A invasão foi rápida, alguém deu a fita toda, para ele estava na cara.
Não teve tempo para descobrir. Foi encontrado morto com sete tiros pelo
corpo.
Quem matou tudo mundo sabe, mas ninguém sabe.
O baiano, o pezão, o mosca...no crime apelido apaga o nome do sujeito.
A história dos meninos é curta ainda que muitos de nós acreditemos que
garotos assim já nasceram bandidos.
As investigações nunca deram em nada. Ainda que o baiano, o pezão e
o mosca fossem suspeitos, quantos deles há por aí?
E pior, a investigação já se arrastava por tanto tempo, que mesmo
que a polícia chegasse aos nomes corretos, era bem possível que
estivessem mortos.
A sobrevida de traficantes gira entre 3 e 4 anos.
Daí porque boa parte dos processos abertos nas varas de justiça espalhadas pelo país, abertos vão permanecer. Não há solução...nunca.
Seja pelos motivos já citados, seja pela ineficiência e pela morosidade dos órgãos públicos, o fato é que o Estado é covarde!!
Sim, não tem coragem de assumir para milhares de famílias
que esperam notícias que os casos são insolúveis e, portanto deveriam
ser arquivados.
Enquanto o Estado não resolver enfrentar os próprios cadáveres,
famílias vão continuar esperando, esperando, esperando...
Quando aquela mãe viu o carimbo e recebeu a notícia que o caso da morte do filho não seria resolvido um ciclo se fechou.
A dor não diminuiu, a raiva aumentou.
Melhor a certeza de que as respostas não virão, ou, melhor a dúvida de que um dia as perguntas sejam respondidas, ainda que as autoridades, essas sim, tenham a certeza que são incapazes de dar as respostas desejadas?

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